Acho que já foi tudo dito… a perplexidade perante a
barbárie, a condenação veemente ao fanatismo religioso, a tristeza perante a
frieza das mortes, a repulsa que a execução sumária de gente comum a todos nos
traz…mas perdoem-me a insensibilidade de dizer que de discursos de Miss Universo
a endossar votos de paz e amor no mundo já estou farto. Todos o queremos, com
mais ou menos atributos físicos dignos de concursos de beleza, todos queremos
um mundo melhor, mais justo e igualitário. Vá lá… Quantos de nós não mudámos de
canal quando no bloco de notícias internacionais, bem lá para o final de um
qualquer telejornal diário, num qualquer canal televisivo, se noticiava mais um
ataque suicida na Faixa de Gaza, ou no Iémen, ou num qualquer outro canto do
mundo lá para oriente. Era tempo de ir à cozinha buscar qualquer coisa para
comer…mais uns quantos que morriam, lá na terra daqueles que nunca se entendem
e resolvem tudo com bombas. Insensibilizámo-nos do sangue e dos gritos de dor…
era lá longe. Mas aqui, dentro de portas, não… aqui impressionamo-nos. A
proximidade geográfica e cultural, talvez até religiosa, exacerba a nossa
indignação? Compreendo, mas não nos pode cegar. Terror e morte, há infelizmente
em todo o lado, a toda a hora e em quase todas as latitudes. Que raio de
indignação é esta que só se manifesta quando ouvimos aqui ao nosso lado os
tiros. Que porra de repúdio é este que só é propalado aos sete ventos quando são as nossas paredes
que ficam cobertas de sangue? Vá lá…. Não sejamos Miss Universo, discursando em
lágrimas em nome de um mundo melhor. Nada tenho contra elas e os seus
discursos. Mas dói-me a alma esta forma, às vezes quase inocente, quase inata- nascemos
no lado certo do mundo- de sermos ocidentalmente superiores. Somos os
culturalmente elevados, os pais da tolerância e da igualdade, os criadores
assumidos da solidariedade… Tão longe dos bárbaros e fundamentalistas tacanhos
que vindos do andar de baixo do desenvolvimento, algures de África ou do Próximo
Oriente se matam uns aos outros, ou que cometem a audácia de em insufláveis e
pequenas barcaças entre nós procurarem refúgio… Sejamos Charlie, ou pintemos os
nossos murais com a tricolor francesa mas, é também nossa obrigação não mudar
de canal quando lá longe morrerem inocentes, informarmo-nos porque morrem,
porque se matam, porque nos insultam e nos odeiam… Inquietemo-nos com as
invasões, acções armadas ou apoio logístico que os nossos iluminados líderes
decidem levar a cabo nesse andar de baixo. Quanto desse sangue que lá tão longe
se derrama vem impresso nos nossos boletins de voto??
Manifestemos a perplexidade e a indignação hoje. Mas em nome
dos valores humanistas que nos envaidecem, manifestemos sempre…
A. entrega uma
pizza #à são todos pretos
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