Índice de Estados falhados; fundforpeace.org |
O conceito de “Estado falhado”
surge frequentemente associado àqueles países subdesenvolvidos que não têm
estruturas básicas de serviço às suas populações. Mas, ao contrário do que esta
designação possa indicar, estes não são países onde o Estado falhou, mas sim
onde o Estado nunca chegou a nascer. Estes casos estão bem estudados pelos
especialistas. De uma forma genérica, são caracterizados por uma corrupção
generalizada, que permeia todos os segmentos da população e todas as
actividades, um sistema político não democrático, cujos actores se eternizam no
poder através da ausência de eleições livres, a ausência de uma máquina fiscal
eficiente, um sistema judicial dependente do poder político e económico, e a
ausência de uma imprensa livre e reguladora. Serviços públicos fundamentais,
como educação, saúde e forças de segurança pública, não têm financiamento
adequado. Infra-estruturas básicas, como estradas, escolas e hospitais, são
deficientes. Os poucos serviços que existem são muitas vezes olhados como dádivas
de um ditador benevolente, ou como benesses de senhores da guerra ou grupos
organizados que controlam aquilo que, no terreno o Estado não consegue ou não
quer fazer. Regra geral, a ausência da máquina administrativa do Estado não tem
como origem um problema de financiamento, mas sim de gestão. Em muitos casos,
estes países são muito mais ricos em recursos naturais do que países ditos
desenvolvidos, recursos cujo rendimento passa completamente ao lado da larga
maioria da população. Os poucos países que evoluem para um sistema democrático
e mais igualitário são aqueles cujos cidadãos conseguem libertar-se das amarras
da impotência e indiferença, e se substituem àqueles que se servem do sistema,
edificando novas instituições que permitem, ao longo do tempo, a construção de
um sistema mais equilibrado e mais justo.
Ao mesmo tempo, nos países
industrializados, a tendência é a oposta. Prospera a ideia de que os Estados
modernos cresceram excessivamente, e que a sua pesada burocracia limita o
crescimento económico e a liberdade individual. Os mercados liberalizados deverão
auto-regular-se e a economia de mercado deverá substituir a máquina pouco
eficiente do Estado, passando os serviços privados a prestar os serviços
básicos à população. Educação, saúde e transportes são as áreas centrais em que
se verifica a transferência de competências e responsabilidades do sector
público para o privado. E a principal justificação apresentada para esta
tendência é, além da suposta ineficiência dos serviços públicos, o problema de
financiamento do Estado. Paralelamente, as diversas instituições democráticas,
que deveriam ser independentes entre si, e confiáveis aos olhos da população,
vivem tempos de crise. Face à diminuição na quantidade e qualidade dos serviços
públicos, a máquina fiscal é paradoxalmente cada vez mais pesada. O sistema
judicial é demasiado lento e aparenta ser permeável à influência do poder
económico e político. A dependência dos actores políticos em relação ao sistema
económico e interesses privados levam a um crescente distanciamento dos
eleitores em relação aos seus representantes, e a uma crescente sensação de
indiferença, revelada por exemplo na diminuição da participação cívica e
política da chamada sociedade civil, e nos elevados valores da abstenção em
todos os actos eleitorais.
E aqui se fecha o círculo. Ao mesmo
tempo que tomamos como garantido o facto de termos um Estado capaz de executar
tarefas básicas, lentamente estamos a esvaziá-lo da sua capacidade real de
interferir positivamente na gestão do país. Ao mesmo tempo que tomamos como
garantida a democracia, abusamos das instituições democráticas,
descredibilizando-as aos olhos da população. Ao mesmo tempo que tomamos como
garantida a separação, responsabilização e regulação mútua dos poderes
institucionais, assistimos à degradação diária das estruturas governativas e à
evidente promiscuidade dos diferentes poderes instituídos. O desfecho lógico
deste processo é claro, ainda que seja difícil reconhecer aos olhos daqueles
que tomam como garantido tudo aquilo a que estamos habituados. Tal como os
casos dos Estados falhados demonstram, quando o Estado desaparece, alguém ocupa
sempre o vazio na estrutura do poder. É que quando o regime democrático deixa
de funcionar para os cidadãos, que são, afinal, a razão da sua existência,
perde a sua legitimidade e é apenas uma questão de tempo ser substituído por
outro.
R. entregou uma pizza #à politicamente irrelevante
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