domingo, 22 de novembro de 2015

Estados falhados e a falha do Estado

Índice de Estados falhados; fundforpeace.org
O conceito de “Estado falhado” surge frequentemente associado àqueles países subdesenvolvidos que não têm estruturas básicas de serviço às suas populações. Mas, ao contrário do que esta designação possa indicar, estes não são países onde o Estado falhou, mas sim onde o Estado nunca chegou a nascer. Estes casos estão bem estudados pelos especialistas. De uma forma genérica, são caracterizados por uma corrupção generalizada, que permeia todos os segmentos da população e todas as actividades, um sistema político não democrático, cujos actores se eternizam no poder através da ausência de eleições livres, a ausência de uma máquina fiscal eficiente, um sistema judicial dependente do poder político e económico, e a ausência de uma imprensa livre e reguladora. Serviços públicos fundamentais, como educação, saúde e forças de segurança pública, não têm financiamento adequado. Infra-estruturas básicas, como estradas, escolas e hospitais, são deficientes. Os poucos serviços que existem são muitas vezes olhados como dádivas de um ditador benevolente, ou como benesses de senhores da guerra ou grupos organizados que controlam aquilo que, no terreno o Estado não consegue ou não quer fazer. Regra geral, a ausência da máquina administrativa do Estado não tem como origem um problema de financiamento, mas sim de gestão. Em muitos casos, estes países são muito mais ricos em recursos naturais do que países ditos desenvolvidos, recursos cujo rendimento passa completamente ao lado da larga maioria da população. Os poucos países que evoluem para um sistema democrático e mais igualitário são aqueles cujos cidadãos conseguem libertar-se das amarras da impotência e indiferença, e se substituem àqueles que se servem do sistema, edificando novas instituições que permitem, ao longo do tempo, a construção de um sistema mais equilibrado e mais justo.
Ao mesmo tempo, nos países industrializados, a tendência é a oposta. Prospera a ideia de que os Estados modernos cresceram excessivamente, e que a sua pesada burocracia limita o crescimento económico e a liberdade individual. Os mercados liberalizados deverão auto-regular-se e a economia de mercado deverá substituir a máquina pouco eficiente do Estado, passando os serviços privados a prestar os serviços básicos à população. Educação, saúde e transportes são as áreas centrais em que se verifica a transferência de competências e responsabilidades do sector público para o privado. E a principal justificação apresentada para esta tendência é, além da suposta ineficiência dos serviços públicos, o problema de financiamento do Estado. Paralelamente, as diversas instituições democráticas, que deveriam ser independentes entre si, e confiáveis aos olhos da população, vivem tempos de crise. Face à diminuição na quantidade e qualidade dos serviços públicos, a máquina fiscal é paradoxalmente cada vez mais pesada. O sistema judicial é demasiado lento e aparenta ser permeável à influência do poder económico e político. A dependência dos actores políticos em relação ao sistema económico e interesses privados levam a um crescente distanciamento dos eleitores em relação aos seus representantes, e a uma crescente sensação de indiferença, revelada por exemplo na diminuição da participação cívica e política da chamada sociedade civil, e nos elevados valores da abstenção em todos os actos eleitorais.
E aqui se fecha o círculo. Ao mesmo tempo que tomamos como garantido o facto de termos um Estado capaz de executar tarefas básicas, lentamente estamos a esvaziá-lo da sua capacidade real de interferir positivamente na gestão do país. Ao mesmo tempo que tomamos como garantida a democracia, abusamos das instituições democráticas, descredibilizando-as aos olhos da população. Ao mesmo tempo que tomamos como garantida a separação, responsabilização e regulação mútua dos poderes institucionais, assistimos à degradação diária das estruturas governativas e à evidente promiscuidade dos diferentes poderes instituídos. O desfecho lógico deste processo é claro, ainda que seja difícil reconhecer aos olhos daqueles que tomam como garantido tudo aquilo a que estamos habituados. Tal como os casos dos Estados falhados demonstram, quando o Estado desaparece, alguém ocupa sempre o vazio na estrutura do poder. É que quando o regime democrático deixa de funcionar para os cidadãos, que são, afinal, a razão da sua existência, perde a sua legitimidade e é apenas uma questão de tempo ser substituído por outro.

R. entregou uma pizza #à politicamente irrelevante

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