terça-feira, 17 de novembro de 2015

A ignorância é uma bênção

No rescaldo dos atentados de 13 Novembro em Paris, François Hollande dirigiu-se ao país e, num discurso sem precedentes, disse que iria rever a constituição francesa de forma a retirar direitos aos cidadãos. Incrivelmente, a maioria dos cidadãos do mundo não reagiu. Pareceu-lhes bem. Tinham sido atacados, havia que tomar medidas drásticas. Mas, o que a maioria destas pessoas não perceberam é que também elas, as vítimas, iam perder esses direitos, ou seja, iam ser duplamente vítimas, ora dos terroristas, ora dos seus governantes. Nessa mesma noite, o facebook lançou uma aplicação que permitia a todos os seus utilizadores alterar a sua foto de perfil com apenas um clique. Era fácil, a maioria das pessoas fizeram-no, e as redes sociais inundaram-se com perfis com os tons da bandeira francesa. Esses mesmos perfis pediam justiça e retaliação contra o Estado Islâmico, grupo terrorista que reivindicou os atentados. No dia seguinte, ainda as cores das bandeiras francesas inundavam as redes sociais e já a França bombardeava a Síria. 130 mortos, era o balanço do primeiro raide francês depois dos atentados. Segundo o The Guardian, nas últimas 24 horas, saíram 10 aviões franceses de bases nos Emiratos Árabes Unidos e na Jordânia, que lançaram 16 bombas sobre o norte do território iraquiano. Desta vez, o número de mortos não foi divulgado. Por esta altura, as cores das bandeiras francesas iam desaparecendo dos perfis das redes sociais. Não creio que por terem tomado consciência de que há atentados cometidos em muito mais lugares do mundo, muito menos por considerarem que também os bombardeamentos no Iraque e na Síria eram atentados contra a humanidade. Simplesmente porque se cansaram, simplesmente porque a vida continua e simplesmente porque a morte cansa. Mas, terão todas essas pessoas percebido a força que deram ao governo francês nas medidas que vão ser tomadas no mundo? No dia seguinte, no senado francês, François Hollande anunciou:

- ofensivas a partir de 5ª feira, usando um porta aviões no mediterrâneo, e “não haverá hesitação e nenhuma trégua
- a proibição de um cidadão que tenha duas nacionalidades voltar à França se ele apresentar risco de terrorismo.
– a possibilidade de dissolver organizações religiosas que propagam o ódio e o terror.
– o acesso, para juízes antiterrorismo, a todas as formas e meios de investigação.
- a prisão domiciliária para todos aqueles que regressem da Síria e do Iraque.

Mas François Hollande não enganou o mundo nem os franceses. Ele disse “a França está em guerra” e “vai triplicar o seu poder de acção contra o Estado Islâmico”. Essa era a verdade inconveniente mas o mundo não a ouviu com atenção. Há muito que a França estava em guerra com o Estado Islâmico, bombardeando a Síria e o norte do Iraque.  A população é que talvez não soubesse, ou melhor, não queria saber. Todas as guerras têm retaliações. O governo francês sabia-o. A população, aparentemente não. Mas a população sabia ainda menos. Não sabia que os direitos de todos os cidadãos iriam ser alienados, que o mundo ia tomar consciência que a vida humana não tem o mesmo valor em todos os lugares da Terra, e que, acima de tudo, a guerra contra o Estado Islâmico ia servir os propósitos dos interesses económicos mundiais. A indústria de armamento é responsável pelo crescimento económico francês dos últimos anos, gerando 8.2 mil milhões de euros no ano de 2014. É a indústria que mais cresce em França. O seu principal mercado exportador é o Médio Oriente. A França vende para o Médio Oriente e bombardeia esse mesmo armamento.

A esmagadora maioria das pessoas que mudaram a fotografia nos perfis das redes sociais fê-lo achando que estava a demonstrar humanismo e solidariedade para com as vítimas em França. No entanto, o que aquelas centenas de milhares de pessoas não sabiam é que, de forma indirecta, estavam a dar o seu contributo para a legitimação mediática das violações dos direitos fundamentais dos cidadãos, bombardeamentos indiscriminados na Síria e no Iraque, e, mais uma vez, o enriquecimento das empresas de armamento. No fundo, a maioria da população está completamente alheia ao que se passa no mundo. É caso para dizer, a ignorância é uma bênção.

C. entregou uma pizza # à fritei a pipoca

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