No rescaldo dos atentados de 13
Novembro em Paris, François Hollande dirigiu-se ao país e, num discurso sem
precedentes, disse que iria rever a constituição francesa de forma a retirar
direitos aos cidadãos. Incrivelmente, a maioria dos cidadãos do mundo não
reagiu. Pareceu-lhes bem. Tinham sido atacados, havia que tomar medidas
drásticas. Mas, o que a maioria destas pessoas não perceberam é que também
elas, as vítimas, iam perder esses direitos, ou seja, iam ser duplamente
vítimas, ora dos terroristas, ora dos seus governantes. Nessa mesma noite, o
facebook lançou uma aplicação que permitia a todos os seus utilizadores alterar
a sua foto de perfil com apenas um clique. Era fácil, a maioria das pessoas
fizeram-no, e as redes sociais inundaram-se com perfis com os tons da bandeira
francesa. Esses mesmos perfis pediam justiça e retaliação contra o Estado
Islâmico, grupo terrorista que reivindicou os atentados. No dia seguinte, ainda
as cores das bandeiras francesas inundavam as redes sociais e já a França bombardeava
a Síria. 130 mortos, era o balanço do primeiro raide francês depois dos
atentados. Segundo o The Guardian, nas últimas 24 horas, saíram 10 aviões
franceses de bases nos Emiratos Árabes Unidos e na Jordânia, que lançaram 16
bombas sobre o norte do território iraquiano. Desta vez, o número de mortos não
foi divulgado. Por esta altura, as cores das bandeiras francesas iam
desaparecendo dos perfis das redes sociais. Não creio que por terem tomado
consciência de que há atentados cometidos em muito mais lugares do mundo, muito
menos por considerarem que também os bombardeamentos no Iraque e na Síria eram
atentados contra a humanidade. Simplesmente porque se cansaram, simplesmente
porque a vida continua e simplesmente porque a morte cansa. Mas, terão todas
essas pessoas percebido a força que deram ao governo francês nas medidas que
vão ser tomadas no mundo? No dia seguinte, no senado francês, François Hollande
anunciou:
- ofensivas a partir de 5ª feira,
usando um porta aviões no mediterrâneo, e “não haverá hesitação e nenhuma
trégua”
- a proibição de um cidadão
que tenha duas nacionalidades voltar à França se ele apresentar risco de
terrorismo.
– a possibilidade de dissolver
organizações religiosas que propagam o ódio e o terror.
– o acesso, para juízes
antiterrorismo, a todas as formas e meios de investigação.
- a prisão domiciliária
para todos aqueles que regressem da Síria e do Iraque.
Mas François Hollande não enganou
o mundo nem os franceses. Ele disse “a França está em guerra” e “vai triplicar
o seu poder de acção contra o Estado Islâmico”. Essa era a verdade
inconveniente mas o mundo não a ouviu com atenção. Há muito que a França estava
em guerra com o Estado Islâmico, bombardeando a Síria e o norte do Iraque. A população é que talvez não soubesse, ou
melhor, não queria saber. Todas as guerras têm retaliações. O governo francês
sabia-o. A população, aparentemente não. Mas a população sabia ainda menos. Não
sabia que os direitos de todos os cidadãos iriam ser alienados, que o mundo ia tomar
consciência que a vida humana não tem o mesmo valor em todos os lugares da
Terra, e que, acima de tudo, a guerra contra o Estado Islâmico ia servir os
propósitos dos interesses económicos mundiais. A indústria de armamento é
responsável pelo crescimento económico francês dos últimos anos, gerando 8.2 mil
milhões de euros no ano de 2014. É a indústria que mais cresce em França. O seu
principal mercado exportador é o Médio Oriente. A França vende para o Médio
Oriente e bombardeia esse mesmo armamento.
A esmagadora maioria das pessoas
que mudaram a fotografia nos perfis das redes sociais fê-lo achando que estava
a demonstrar humanismo e solidariedade para com as vítimas em França. No
entanto, o que aquelas centenas de milhares de pessoas não sabiam é que, de forma
indirecta, estavam a dar o seu contributo para a legitimação mediática das
violações dos direitos fundamentais dos cidadãos, bombardeamentos indiscriminados
na Síria e no Iraque, e, mais uma vez, o enriquecimento das empresas de
armamento. No fundo, a maioria da população está completamente alheia ao que se passa no mundo. É caso para dizer, a ignorância é uma bênção.
C. entregou uma pizza # à fritei a pipoca
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