O presidente
francês classificou os acontecimentos da noite do dia 13 de Novembro como “um
acto de guerra”. São isso mesmo, nem mais, nem menos. Estes actos terroristas
não são actos contra os regimes democráticos. Mas a resposta dos nossos líderes
poderá ser, se a opinião pública se deixar amordaçar um pouco mais para
garantir a sua dita segurança. Estes actos terroristas não são actos contra a
civilização. Mas a resposta dos nossos líderes poderá ser, se continuar a
escalada de guerra em territórios longínquos. A história conhecida dos homens
ensina-nos que a civilização está assente na barbárie. Uma não existiria sem a
outra. E a nossa não é excepção. São actos bárbaros? São. Os terroristas
atiraram indiscriminadamente? Sim. Mas esta barbárie apenas imita a barbárie de
bombardeamentos de aviões e drones,
que matam indiscriminadamente e são ordenados pelos nossos líderes. São actos
de guerra legítimos? De acordo com a convenção de Genebra, ou outras leis que
rejam a conduta de guerra, não. Mas na prática, no terreno, sim, são. O
terrorismo sempre foi a arma dos beligerantes mais fracos, muitas vezes a única
forma de combater um inimigo muito mais forte. Tempos houve em que os nossos
antepassados lusitanos, tão glorificados quando nos convém, eram terroristas
bárbaros face ao império romano. Ou os angolanos que combatiam no mato nos anos
60, terroristas face ao regime de Salazar, mas mais tarde legitimados pela
descolonização. E os exemplos podiam encher páginas. Mas qual a diferença entre
estes actos e os do século XXI? Como em quase tudo que se passa no mundo, a
explicação passa pela a globalização. Enquanto no passado, os terroristas não
tinham outra opção senão fazer a guerra no seu próprio território, hoje é-lhes
possível trazer o terror às portas daqueles que, em primeiro lugar, o trouxeram
para os seus países.
Estes actos também
não são fruto de fundamentalismo islâmico. Repito, são actos de guerra,
perpetrados como retaliação a actos que são cometidos pelos nossos países, a
milhares de quilómetros de distância, com o nosso consentimento, implícito ou
explícito. Os ideais religiosos ou políticos foram sempre uma capa para
esconder a verdadeira razão da guerra: a luta pelo poder e domínio sobre os
outros. E as guerras de hoje não são excepção. Durante o período da guerra dita
fria, o calor da verdadeira guerra aqueceu grande parte do globo. América do
Sul e Central, Ásia e África foram alvo dos interesses dos dois grandes
beligerantes, sob a capa do antagonismo dos ideais políticos. Mas após a queda
da URSS, tudo ficou mais claro, mais límpido. As guerras que se seguiram, não
só as intervenções militares dos EUA e seus aliados, mas também as guerras
civis instigadas pelo Ocidente, das quais a guerra na Síria é o exemplo mais
flagrante, mostram algo que já se verifica há 500 anos, mas que hoje é mais
fácil de se tomar consciência: o mundo ocidental está em guerra com o resto do
mundo. O nosso estilo de vida, com todos os seus aspectos positivos, quer
materiais, quer institucionais, tem um lado lunar. A nossa sofisticação material
e política tem um custo; as nossas democracias são construídas à base do
amordaçamento da liberdade de expressão noutros países, os nossos carros andam
com combustível que alimenta a pobreza, as nossas roupas de marca são feitas de
trabalho infantil e escravo, as nossas cidades são construídas sobre os
escombros de regimes ditatoriais. A guerra em Damasco já mata há 5 anos; mas só
nos lembramos dela quando vemos as imagens dos bombardeamentos, ou dos
cadáveres de refugiados a flutuar no Mediterrâneo. Ficamos chocados quando a
guerra chega às ruas de Paris. E fingimos que não temos responsabilidade; somos
inocentes; as vítimas de Paris eram inocentes. Não, não eram. Não, não somos.
Uma das características,
talvez a mais central, de um Estado de Direito democrático moderno deverá ser
uma opinião pública esclarecida. Só dessa forma é que os regimes democráticos
resistirão aos desafios do século XXI, não resvalando para regimes autoritários.
Mas as elites governativas não têm interesse numa opinião pública esclarecida.
O status quo tem de ser mantido, a
todo o custo. Têm de ser as próprias populações a acordar para a realidade, senão
acordarão ao som de bombas. Nós, a opinião pública dos países ocidentais, temos
de nos confrontar com a realidade exterior aos nossos próprios países, por
muito difícil e custoso que isso se venha revelar. Temos de tomar consciência
dos actos perpetrados pelos nossos governos no Médio Oriente e em África, e das
suas gravosas consequências. Temos de perceber porque milhares de pessoas fogem
dessas regiões e se dirigem para os nossos países.
E depois temos
de decidir. Podemos lutar para que os nossos governos mudem, fazendo pressão através
do voto, mas não só, para que os interesses económico-financeiros não sejam os
únicos a ditar a política externa dos nossos países, e para que o nosso estilo
de vida não tenha de ser construído em cima da miséria de outros. Se esta
tomada de consciência for feita por iniciativa própria, poderemos poupar a
Europa a um prolongamento sem fim do terrorismo no nosso território. Ou, podemos
apoiar a política vigente, e passar a encarar o terrorismo como um mal
necessário. Assumimos a nossa posição beligerante, do lado daqueles que nos
trouxeram até aqui, construímos muros, e reconhecemos que o nosso modo de vida
é o bem supremo, lidando bem com o mal-estar dos outros, desde que longe da
vista. A opção está nas nossas mãos. Se deixarmos a decisão entregue apenas aos
nossos governos, a escolha já foi feita.
R. entrega uma pizza #à sodacáustica, #à fritei a pipoca e #à incendiário
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