Sentado no meio da sala de jantar vazia da pizzaria. Mais um
dia longo de trabalho concluído. Tudo limpo, forno, cozinha arrumada, chão e
mesas impecáveis. Vem-me à memória a alegria que há poucas horas enchia esta
casa. Trabalho num dos locais mais fantásticos do mundo. A par de alguns
-poucos- outros sítios, como os parques de diversões ou jardins públicos, as
pizzarias são um daqueles locais onde os sorrisos são frequentes, onde a
felicidade é tangível. Gosto de pensar que sirvo felicidade às fatias. E é esta
felicidade que agora me toma de assalto os pensamentos. Andamos ávidos dela.
Julgo que nunca como nos tempos que correm a tomamos por certa. Nunca como
agora a damos por adquirida e imediata. E é este caráter imediato que me inquieta.
Julgo que esta felicidade ao virar da esquina nos vem da insatisfação
permanente, deste conceito mais ou menos difundido que nos está destinada, que
a ela temos direito, a toda a hora e de forma absoluta. Explico a um amigo
imaginário que sentado à minha frente, nesta sala vazia, me olha condescendente.
A insatisfação advém deste colecionismo de coisas, pessoas ou situações que
todos nós fazemos, em grau diferente confesso, mas fazemos. À distância de um
click, de uma compra no eBay, de uma ida ao centro comercial ou à baixa,
enchemo-nos a nós e às nossas casas de “coisas”. Seja o sofá- lindo de morrer-,
a roupa ou o calçado da estação, ou o “smartqualquer coisa” … a tecnologia, ah…
estes brinquedos tecnológicos que nos caçam sem dó. Nem adianta fugir… mas há
sempre a “Black Friday”, o novo lançamento, a atualização, as novas
tendências… Fábricas de insatisfação… “Colecionamos pessoas também?” Pergunta-me o
tal que ocupa invisível o lugar à minha frente. Sim… devolvo-lhe o olhar condescendente. Nesta busca incessante
colecionamos afetos. Num mundo cada vez mais pequeno, virtual ou fisicamente,
procuramos as pessoas que queremos, que precisamos, que se ajustam a nós, numa
lógica cada vez mais “prêt-à-porter”. Somos mais de 7 mil milhões, há para aí gente
que “me sirva” aos pontapés. Colecionamos companheiros, amantes, amigos,
famílias… até famílias. Costumamos catalogá-los, é mais fácil: os virtuais
(chegam a ser aos milhares), os de uma noite só, os do trabalho, dos copos, dos
jantares formais e/ou informais, dos passeios, das viagens, das aventuras e de
mil e uma outras categorias que inventamos da forma que nos aprouver. Se não
formos muito excêntricos, tornamos descartáveis só um pouco menos de 7 mil
milhões de almas. Toleramos cada vez menos, suportamos o mínimo… a oferta é
grande!!!!! “Antes que me interrompas”
digo ao tal que etéreo partilha comigo a mesa do restaurante da felicidade. Nem
vou perder tempo com o colecionismo de situações que a todos nos torna
viciados, agarraditos. Dez minutos numa
qualquer rede social e é ver o bacanal de felicidade que as experiências com
mais ou menos adrenalina nos vão proporcionando. “CHEGA” diz-me o meu
interlocutor, (de tão interventivo desconfio da sua quase existência).
“Felicidade é o grau de concretização de expectativas”, continua ele. “Num
mundo mais livre, mais democrático, mais globalizado, só tu para veres forças
demoníacas a controlar esta aspiração natural do ser humano em ser
feliz!!!” Respiro… Explico-lhe que
felicidade para mim precisa de tempo para germinar, para crescer, para ser
saboreada e que no mundo de hoje ela é exigida na hora. É tempo de fast food…
de felicidade ao peso e pronta a ser consumida…. Vêm-me à memória a bofetada de
realidade que levei a última vez que fui ao cinema com a minha filha. Em mais
uma animação fantástica da Pixar, o protagonista lutava pela sua felicidade,
tolerando a diferença, congregando vontades diversas, sendo fiel e dedicando o
seu tempo aos que lhe estavam próximos, valorizando os mais frágeis, cultivando
de forma abnegada afetos, maravilhando-se com as coisas simples. À saída, ainda
empanturrado pelas pipocas, embevecido pela atmosfera criada na película e
rindo de algumas piadas bem conseguidas, dou por mim enterrado num centro
comercial à pinha, cheio de gente que não se olha, que se envaidece pelo volume
e logos dos sacos, numa pressa por se aturdir em felicidade… Se calhar é de mim… Se calhar a felicidade
está mesmo aí à mão de semear…
A. entregou uma pizza à #amigo secreto