quinta-feira, 31 de março de 2016

Felicidade à la carte ou “Oh faz favor! São 200g de felicidade”


Sentado no meio da sala de jantar vazia da pizzaria. Mais um dia longo de trabalho concluído. Tudo limpo, forno, cozinha arrumada, chão e mesas impecáveis. Vem-me à memória a alegria que há poucas horas enchia esta casa. Trabalho num dos locais mais fantásticos do mundo. A par de alguns -poucos- outros sítios, como os parques de diversões ou jardins públicos, as pizzarias são um daqueles locais onde os sorrisos são frequentes, onde a felicidade é tangível. Gosto de pensar que sirvo felicidade às fatias. E é esta felicidade que agora me toma de assalto os pensamentos. Andamos ávidos dela. Julgo que nunca como nos tempos que correm a tomamos por certa. Nunca como agora a damos por adquirida e imediata. E é este caráter imediato que me inquieta. Julgo que esta felicidade ao virar da esquina nos vem da insatisfação permanente, deste conceito mais ou menos difundido que nos está destinada, que a ela temos direito, a toda a hora e de forma absoluta. Explico a um amigo imaginário que sentado à minha frente, nesta sala vazia, me olha condescendente. A insatisfação advém deste colecionismo de coisas, pessoas ou situações que todos nós fazemos, em grau diferente confesso, mas fazemos. À distância de um click, de uma compra no eBay, de uma ida ao centro comercial ou à baixa, enchemo-nos a nós e às nossas casas de “coisas”. Seja o sofá- lindo de morrer-, a roupa ou o calçado da estação, ou o “smartqualquer coisa” … a tecnologia, ah… estes brinquedos tecnológicos que nos caçam sem dó. Nem adianta fugir… mas há sempre a “Black Friday”, o novo lançamento, a atualização, as novas tendências… Fábricas de insatisfação  “Colecionamos pessoas também?” Pergunta-me o tal que ocupa invisível o lugar à minha frente. Sim… devolvo-lhe o olhar condescendente. Nesta busca incessante colecionamos afetos. Num mundo cada vez mais pequeno, virtual ou fisicamente, procuramos as pessoas que queremos, que precisamos, que se ajustam a nós, numa lógica cada vez mais “prêt-à-porter”. Somos mais de 7 mil milhões, há para aí gente que “me sirva” aos pontapés. Colecionamos companheiros, amantes, amigos, famílias… até famílias. Costumamos catalogá-los, é mais fácil: os virtuais (chegam a ser aos milhares), os de uma noite só, os do trabalho, dos copos, dos jantares formais e/ou informais, dos passeios, das viagens, das aventuras e de mil e uma outras categorias que inventamos da forma que nos aprouver. Se não formos muito excêntricos, tornamos descartáveis só um pouco menos de 7 mil milhões de almas. Toleramos cada vez menos, suportamos o mínimo… a oferta é grande!!!!!  “Antes que me interrompas” digo ao tal que etéreo partilha comigo a mesa do restaurante da felicidade. Nem vou perder tempo com o colecionismo de situações que a todos nos torna viciados, agarraditos. Dez minutos numa qualquer rede social e é ver o bacanal de felicidade que as experiências com mais ou menos adrenalina nos vão proporcionando. “CHEGA” diz-me o meu interlocutor, (de tão interventivo desconfio da sua quase existência). “Felicidade é o grau de concretização de expectativas”, continua ele. “Num mundo mais livre, mais democrático, mais globalizado, só tu para veres forças demoníacas a controlar esta aspiração natural do ser humano em ser feliz!!!”  Respiro… Explico-lhe que felicidade para mim precisa de tempo para germinar, para crescer, para ser saboreada e que no mundo de hoje ela é exigida na hora. É tempo de fast food… de felicidade ao peso e pronta a ser consumida…. Vêm-me à memória a bofetada de realidade que levei a última vez que fui ao cinema com a minha filha. Em mais uma animação fantástica da Pixar, o protagonista lutava pela sua felicidade, tolerando a diferença, congregando vontades diversas, sendo fiel e dedicando o seu tempo aos que lhe estavam próximos, valorizando os mais frágeis, cultivando de forma abnegada afetos, maravilhando-se com as coisas simples. À saída, ainda empanturrado pelas pipocas, embevecido pela atmosfera criada na película e rindo de algumas piadas bem conseguidas, dou por mim enterrado num centro comercial à pinha, cheio de gente que não se olha, que se envaidece pelo volume e logos dos sacos, numa pressa por se aturdir em felicidade…  Se calhar é de mim… Se calhar a felicidade está mesmo aí à mão de semear…

A. entregou uma pizza à #amigo secreto

sexta-feira, 25 de março de 2016

Não sabemos ou não queremos saber?

Será o mundo povoado por seres humanos desprovidos de consciência cívica? Será o planeta Terra habitado por seres humanos que não vêem o que se passa no mundo? Estas perguntas assolam parte do meu dia e à medida que o tempo passa, tenho cada vez mais dúvidas.
Será que as pessoas não vêem ou preferem não ver?
A resposta a esta pergunta não é fácil mas há alguns indícios que parecem mostrar que o Planeta Terra está a ficar sem seres humanos capazes de ter consciência. Podemos não saber todas as respostas mas somos todos capazes de fazer as perguntas. Ora vejamos:

- Quanto ganha um trabalhador têxtil na China para que vestidos sejam vendidos numa loja na Europa a 3€?
- Quanto ganha um produtor de leite europeu para que o leite seja vendido a 0.40€ no supermercado? 
- Quantas vidas custam os bombardeamentos da Guerra da Síria?
- Porque é que as flores do Quénia são vendidas na Europa a menos de 1€?
- De onde vem o petróleo que chega à Europa a 20USD o barril?
- Quantas pessoas perdem o emprego porque alguém está satisfeito por trabalhar gratuitamente apenas em troca de uma oportunidade?
- Quanto ganha uma criança indiana para fazer umas sandálias vendidas na Europa por 4€?
- Por que é que há pessoas que preferem viver nas ruas e em tendas, na Europa, do que ficar na sua casa no Iraque, na Síria ou no Afeganistão?
- Porque é que os telejornais não passam notícias?
- Quanto ganha um produtor de fruta quando prefere dá-la nas manifestações?
- Porque é que os reality shows ocupam o horário nobre na tv?

- Porque é que a França bombardeia a Síria?
Todos nós sabemos as respostas. Sabemos que compramos roupa e calçados produzidos com trabalho escravo e com trabalho infantil. É impossível não sabê-lo. Sabemos que compramos produtos alimentares que promovem a pobreza dos agricultores. É impossível não sabê-lo. Sabemos que o combustível que abastece o nosso veículo patrocina o Estado Islâmico (EIIL). É impossível não sabê-lo. Sabemos que o nosso trabalho grátis foi responsável pelo desemprego de alguém. É impossível não sabê-lo. Sabemos que quando se bombardeia um território morrem centenas de inocentes em nome de interesses internacionais. É impossível não sabê-lo. Sabemos que os produtos que vêem dos países em vias de desenvolvimento chegam tão baratos porque lá não se pagam salários justos. É impossível não sabê-lo. Sabemos que a desinformação é uma arma da globalização. É impossível não sabê-lo. Os preços e os números não enganam. Os números falam mas ninguém parece querer escutá-los.

Podemos não gostar da VERDADE mas temos que a ouvir:
Enquanto teimarmos em comprar roupa a 3€, patrocinamos a Escravatura Laboral.
Enquanto teimarmos em comprar calçado a 4€, patrocinamos Exploração do Trabalho Infantil. 
Enquanto abastecermos o nosso carro com petróleo barato, patrocinamos o Estado Islâmico.
Enquanto trabalharmos de graça, patrocinamos o desemprego.
Enquanto dermos audiência aos reality shows, teremos desinformação.
Enquanto comprarmos produtos baratos, patrocinamos a pobreza.  
Enquanto olharmos para o lado durante a hora do jantar quando passam as notícias da Síria, patrocinamos os bombardeamentos.
Enquanto ignoramos os milhares de refugiados que fogem às guerras, patrocinamos a desumanização.

Enquanto deixarmos que os países da União Europeia bombardeiem outros países teremos Guerra na Europa (sob a forma de terrorismo, claro, porque é a guerra dos tempos actuais).
As respostas podem não ser óbvias mas há que começar a fazer perguntas. Parece-me que a maioria da população já nem sequer se dá ao trabalho de fazer as perguntas. O desinteresse é tanto que já ninguém quer saber. Sim, parece mesmo que o Planeta Terra está cada vez mais desprovido de seres humanos com consciência cívica. Um dia, esta indiferença custar-nos-á, a todos, a vida.
C. entregou uma pizza à #incendiário #friteiapipoca #sãotodospretos

terça-feira, 22 de março de 2016

Nous sommes Terroristes

Dia 22 de Março de 2016.
Bruxelas.
Mais do mesmo.
Idiotas de consciência e inteligência toldadas fizeram-se rebentar em nome de crenças estúpidas. Marionetas nas mãos de outros.
Resultado: 34 mortos e 140 feridos (por agora).
 
Mas... Mais do mesmo também nas reações:
- Bandeiras a meia-haste;
- Iluminar monumentos com as cores das bandeiras dos países (ocidentais) visados pelo terror;
- Escrever merdas a giz no chão das ruas;
- Criar cartoons sobre solidariedade e "cenas";
- Fazer discursos de condenação;
- ...
É tudo muito bonito! Mas vale tudo zero! As sociedades ocidentais são cada vez mais as sociedades do politicamente correto e irrelevante, da solidariedade vazia, bacoca e ineficaz, da acção de sofá.

É preciso ter coragem. Mas a coragem de que falo não é a de pegar em armas e combater terroristas. Não é a de bombardear lá longe. É a de atacar os problemas na raiz. É a de ir ao fundo do fundo. É a de admitir que se é conivente. É a de fazer as perguntas certas. E procurar as respostas:
- porque é que isto acontece?
- de onde vêm as armas?
- de onde vem o financiamento?
- quem ganha com estes ataques?
- quem compra petróleo, antiguidades, algodão e outros bens ao Daesh?
- ...

Muitas destas perguntas têm resposta. Mas a merda do politicamente correto impede que se coloque os dedos nas feridas. O politicamente correto não permite apontar dedos a países, empresas, grupos de interesses.
Por isso é preciso ter coragem também para agir com base nas respostas.
- Há países que financiam? Têm de ser condenados!
- Há contas bancárias usadas pelos grupos terroristas? Têm de ser congeladas!
- Há empresas que vendem armamento e compram petróleo? Têm de ser denunciadas e castigadas!
- ...

As sociedades que fazem hastags, hasteiam bandeiras, iluminam monumentos, são as mesmas que não apontam os dedos a quem financia porque são parceiros económicos, são as mesmas que não exigem clareza porque são elas próprias responsáveis e/ou beneficiárias das sombras do terrorismo.

Se calhar todos devíamos substituir as nossas fotos das redes sociais por imagens a dizer Je Suis Terroriste!
 
J. entregou uma pizza #à tou que nem posso

quarta-feira, 16 de março de 2016

Sic transit gloria mundi

Embora estas glórias sejam pouco gloriosas, nos dias lentos que correm rápidos ao ritmo dos soundsbytes propagados pelos media. Sim, os chamados media sociais também!

E de que "glórias" vos quero falar?

Vejamos:
1. A múmia foi-se embora. Embora, tal como nos idos de 1995 me pareça que vá "continuar por aí" a atormentar-nos como os fantasmas dos natais passados dos contos de Dickens.

2. Em seu lugar temos "o amigo de todos". Conhece toda a gente, fala com todos, de tudo e tem sempre opinião. E qual cereja em cima do bolo, dá-a!
Fico com a sensação que vão ser uns cinco anos muitos animados para as bandas de Belém! Mal posso esperar por Dezembro e pela mensagem de Natal do Sr. Presidente da República! Será que também vamos ter direito a sugestões de livros para oferecermos como presente?

3. O cerco continua a apertar-se à volta daquela pessoa que tem mais distúrbios de personalidade do que a psiquiatria é capaz de diagnosticar. Não me estou a referir a outro que não seja o ex-primeiro. Não é o PPC. É o sr. Pinto de Sousa. A única diferença é que um já esteve preso. O outro para lá caminha se a Justiça tiver vontade de investigar a sério temas sensíveis como a Tecnoforma e outros que tais que foram surgindo durante a legislatura anterior. Mas voltando ao sr. Pinto de Sousa: vergonhoso espectáculo decadente o da publicação/visionamento/ exibição de algumas das escutas e gravações dos interrogatórios que foram feitos no âmbito da chamada "operação Marquês". Retive uma passagem em que uma das companhias femininas remata uma conversa telefónica com um comentário: " Buraco és tu!" Pareceu-me apropriado!

4. A Europa continua sem saber o que fazer aos milhares de refugiados que continuam a chegar diariamente às suas fronteiras. Bem, para dizer a verdade, a Europa continua sem saber o que fazer com a Europa! Os responsáveis políticos dos Estados-membros da União Europeia criaram uma teia económica, política, tecnocrática, burocrática e tão perfeita que acabaram, por sua própria iniciativa, enredados. A patroa sofreu uma derrota nas eleições regionais lá na sua quinta, mas nem por isso me parece que as coisas irão mudar. O BCE baixou a taxa de juro de referência para uns espantosos 0%! O dinheiro está barato. Tão barato que o programa de compra de dívida dos países da UE continua e vai ser reforçado. Full speed ahead. In the wrong direction! Nem quero imaginar o estouro que vai ser! Ou isso ou uma solução à americana: a dívida é monstruosa, mas a FED continua a imprimir dinheiro! Desde que ninguém repare e faça perguntas está tudo bem!

5. Do outro lado do Atlântico o regabofe continua: a "presidenta" Dilma resolveu os problemas do seu padrinho Lula chamando-o para ministro do seu governo. E ainda dizem que é preciso reforçar as relações luso-brasileiras: lá como cá, o crime compensa, continua a compensar e embora o povo proteste na rua, a justiça para além de cega, está surda, muda, tetraplégica e... Notícia de última hora: acabam de me informar que sofreu um AVC fulminante que a vai deixar em estado (ainda mais) vegetativo. A babar-se para cima dos processos até que eles prescrevam.

6. Os srs. do DAESH, a.k.a. ISIS, a.k.a. Estado Islâmico, a.k.a. esses filhos da puta, andam a rebentar com cidades inteiras, a destruir obras de arte património mundial, a violar, matar, decapitar, estropiar de forma mais ou menos aleatória continuam vivos e bem de saúde. A coligação internacional, de vez em quando, lá consegue mandar alguns mais cedo para junto das suas virgens que os esperam no paraíso, mas perdas de monta, por exemplo, nas fontes de financiamento e nos fornecedores de armamento, curiosamente, nada se faz. Porque será? Agora fiquei curioso...

E. entregou uma pizza #à soda caústica; #à coçador ; #à politicamente irrelevante

quarta-feira, 9 de março de 2016

A Gaiola dos Loucos



Às vezes o pizzaiolo falta e eu tenho de ficar no forno. Outras vezes fico ao balcão. E outras ainda vou entregar ao domicílio. Confesso que esta tarefa é a que menos me agrada.
Há uns dias atrás tocou-me fazer entregas. Se isso por si já era suficiente para me deixar aziado a "coisa" piorou substancialmente quando vi a morada da entrega: a Gaiola dos Loucos, Rua da Europa, número 28... Ora bolas!

Aziado, agoniado, angustiado e contrariado lá fui eu... Ainda não tinha tocado à campainha e já se notava a algazarra e confusão lá dentro. Um dos nossos entregadores (o gajo lê umas coisas e acha-se filósofo) chama-lhe a Torre de Babel. Eu chamo-lhe... na verdade não lhe chamo nada. Vou tão agoniado que se abro a boca ainda chamo o Gregório... Mas aquilo parece um Albergue Espanhol!
A Gaiola dos Loucos é uma residência de estudantes e há lá gente de todos os lados. Há uns anos atrás era interessante ir lá levar pizzas. A malta era nova, cheia de ideais, o convívio era são e as diferenças toleráveis. É claro que havia gente com quem me identificava mais e gente com quem me identificava menos mas a vida é mesmo assim, certo?
A determinada altura começo a ouvir uns ruídos junto à porta. Parece-me que arrastam móveis! Muito estranho! Depois ouço os trincos de segurança... um jogo de chaves a ser usado uma e outra vez... e finalmente a porta abre-se! Quem me atende são duas miúdas que andam sempre juntas, uma romena e a outra búlgara. As duas são muito miudinhas, muito mirradinhas... e dá a sensação que ninguém lhes dá muita atenção... E não vivem lá há muito tempo. Coitaditas... lá me abrem a porta e eu entro... E percebo que as duas tinham arrastado uma cómoda enorme e pesada que estava atrás da porta.
Ultimamente andam paranóicos e devem ter medo de alguém, não sei se do representante do Círculo de Leitores ou das Testemunhas de Jeová. Até têm uma placa à porta a dizer que neste momento não estão a aceitar mais ninguém na residência.
Bem... As duas ficam ali paradas a olhar para mim e pela experiência percebo que vou ter de procurar alguém porque elas não me vão ajudar. Sabem a cena do filme Sozinho em Casa em que ninguém paga ao desgraçado do entregador de pizzas? Pois! É isso! Acontece SEMPRE a mesma coisa e é cada vez pior. Naquela casa já ninguém se entende.
Uma das mais antigas é a alemã. A fulana é alta e corpulenta, bebe cerveja como se não houvesse amanhã. Esta tem a mania que é mandona... e na verdade até é! Quer mandar naquela gente toda mas esquece-se que não manda na residência. E agora estava a mandar toda a gente para a mesa... aos berros!
Depois há um francês. O tipo é estranho. É um "tótó"! Anda sempre com uma T-shirt com Liberté, Egalité, Fraternité escrito... Vai fazendo a vontade à alemã mas pede-lhe que não grite com os restantes elementos da residência. E fala tão baixinho que dá a sensação que ninguém lhe liga puto.
Hoje têm visitas, daí uma tão grande quantidade de pizzas encomendadas. A alemã gosta muito destes convidados... suspeito que estejam interessados em comprar a residência e ela sabe que se houver negócio vai ser a administradora. E os convidados quem são? A banca, (alta, magra, cabelo grisalho e nariz de bruxa), o interesse corporativo (um tonto a definhar numa cadeira de rodas) e o casal Rating (bem parecidos, bem vestidos, jovens, despachados e arrogantes). Devem ter sido os convidados a escolher os sabores das pizzas, pelo menos a julgar pelos sabores: três quatro prestações, quatro malparadas, seis austeras com medidas adicionais e oito políticas comunitárias. 
Há uns quantos elementos da residência que não são muito bem vistos e não acham grande piada a estes visitantes: o português, a espanhola, o irlandês e o italiano. Mas a que mais reclama é uma morenaça grega. É a primeira a dizer que não quer, que não gosta e que não vai comer. Mas acho que no fim das contas se submete. Ou comes ou passas fome! A estes todos a alemã tem um asco tremendo. Se pudesse corria com eles da casa mas nunca sem antes os esmifrar!

Também lá há umas altas e loiras tão boas como inacessíveis: a sueca, a dinamarquesa e a finlandesa. Parece-me que já se arrependeram de vir viver na residência mas agora não têm outro remédio senão ficar. 
Para além desta gente toda há um anão com a mania das grandezas, do Luxemburgo, um gato maltês e um pastor belga. Há também um holandês para quem estava sempre tudo bem até há pouco tempo mas que agora se submete à alemã.
Por fim há uns tipos com ar fascista de cabelo rapado e sempre com má cara. Um húngaro, um checo, um croata e mais uns quantos de uns países com uns nomes parecidos. Os tipos parecem saídos do Exterminador Implacável. São todos uns bullys e a alemã gosta bem deles (assim como das loiras...). Apanho-a sempre a dizer ao francês que parecem saídos da família dela... Ele bem bufa e reclama entre os dentes mas lá se cala entre uma fatia de queijo e uma bucha da baguete. Os bullys gostam de enxotar as pessoas que vêm pedir à porta. Não gostam de ver gente "estranha" por ali. Estão à pouco tempo na casa e quem os vir há-de julgar que são os porteiros da residência.
Naquela casa há mais uma figura digna de registo. Um inglês. Tem um ar perdido mas ao mesmo tempo altivo. Óculos na ponta do nariz, bengalita (mas só para o estilo) e chávena de chá na mão o tempo inteiro. Às vezes ameaça que se vai embora daquela casa mas por alguma razão estranha toda a gente o tenta convencer a ficar.

Durante uns tempos os habitantes daquela casa (uns mais do que outros) achavam que podiam tornar a residência num lugar especial. Ajudavam-se uns aos outros. Partilhavam tarefas. Recebiam amigos e visitas de braços abertos. Havia sempre uma cama para quem chegava de novo. As coisas pareciam funcionar tão bem que havia montes de candidatos a morar lá.
Depois os habitantes começaram a definir regras. E elas fazem falta, é verdade. Mas há ali gente que só consegue viver com regras. E começaram a ficar obcecados com elas. E queriam criar regras para tudo. E depois começaram a pegar e a reclamar com quem nem sempre cumpria. E de repente as regras eram a razão de ser da residência. E nessa altura a alemã começou a ter tiques. E a coisa descambou.
Apareceram aqueles convidados. A querer ganhar dinheiro com a residência. A alemã alinhou no jogo deles. E eles no jogo da alemã. De há uns tempos para cá a residência já não é a mesma e afasta-se cada vez mais daquilo que podia ter sido.
O que me pergunto enquanto estou ali no meio da sala à espera que alguém me pague as pizzas é: porque raio não saem todos os que não estão lá bem? Como é possível que ainda haja quem lá queira viver? Porque não fecham as portas a tão inoportunas visitas? Como foi possível desviarem-se tanto daquilo que foram os ideais e o potencial de tão grande e única oportunidade? A residência já não é o que era. A coisa já não flui. Manda mais quem está fora do que quem lá vive. E é uma pena!
Saí desta minha nuvem de pensamento quando vi a alemã a caminhar na minha direção… Foi ela quem veio pagar! Pareceu-me que foi ao bolso do casaco do português ou do italiano buscar a carteira e tirou o dinheiro necessário e sabem que mais? Eles viram e não disseram nada.
É assim a vida na Residência da Gaiola dos Loucos. Cada vez mais insana e sem sentido. E um dia o prédio vem abaixo.
J. entregou uma pizza #à fritei a pipoca #à Arrebentábolha

quarta-feira, 2 de março de 2016

O político anjinho e o político diabinho

Quadrinhos da Turma da Mônica
Há dois tipos de políticos no mundo: o anjinho e o diabinho. 
O político anjinho é aquele que faz um diagnóstico da realidade que vai de encontro aos anseios do eleitorado, reconhecendo os problemas das sociedades modernas e do planeta, mas a sua estratégia para resolver os problemas dos eleitores é implementada através do diálogo, do consenso, e do estrito cumprimento dos protocolos, tudo com base no funcionamento burocrático das instituições existentes. Tem boas ideias, boas intenções, e alimenta a esperança do eleitorado. Mas, na prática, esta maneira de agir leva a que, apesar de bem-intencionado, o político anjinho acaba por não conseguir levar a sua avante, uma vez que os entraves e obstáculos são demasiado poderosos. Muitas instituições consideram que é vantajoso ter um anjinho à sua frente, logo o político anjinho tem por vezes hipóteses de ocupar altas posições na hierarquia institucional e política mundial. O político anjinho é um homem verdadeiro, está na política para servir os eleitores o melhor que sabe, mas a verdade é que “de boas intenções está o inferno cheio”.
O político diabinho faz um diagnóstico oposto ao do anjinho. Não vê os problemas da mesma forma, tem uma visão egoísta, distante do eleitorado. Mas é eficaz na transmissão da sua mensagem. Sabe provocar o medo, sabe alimentar a resignação, e consegue que o eleitorado o veja como um mal menor, como um porto seguro no meio de uma tempestade. A sua estratégia para ir vivendo com os problemas dos eleitores é implementada através do diálogo, do consenso, e do estrito cumprimento dos protocolos, tudo com base no funcionamento burocrático das instituições existentes. Ora esta maneira de agir leva a que o político diabinho acaba por conseguir levar a sua avante, uma vez que os entraves e obstáculos são a desculpa perfeita à manutenção do status quo. A grande maioria das instituições financeiras e políticas prefere ter um diabinho à sua frente, logo o político diabinho está destinado a ocupar altas posições na hierarquia financeira e política mundial. O político diabinho é um homem falso, e está na política para se servir a si e aqueles para quem trabalha.
António Guterres e Durão Barroso são os mais altos representantes nacionais destes dois tipos de políticos, e isso esteve bem patente no debate que os juntou na RTP, no passado dia 22 de Fevereiro. Durante os últimos 10 anos, o primeiro foi Alto Comissário das Nações Unidas para os Refugiados, e o segundo foi Presidente da Comissão Europeia, ambas posições cimeiras no palco mundial. O primeiro irá apresentar a sua candidatura a Secretário-Geral da ONU; o segundo profere palestras em todo o mundo e é professor convidado em Política Internacional na Universidade de Princeton, nos EUA. Para o eleitor e cidadão comum, assistir a este debate é uma lição sobre o discurso do político anjinho e do político diabinho. Quanto aos resultados efectivos das suas políticas, basta pensar na situação actual da União Europeia e das migrações de refugiados. 
Tal como as figuras míticas que nos sussurram ao ouvido, aconselhando-nos a agir de acordo com o que eles consideram ser correcto, os políticos anjinho e diabinho também vão conversando com o eleitorado, defendendo a sua posição, dispostos a dizer o que for necessário para convencer o eleitorado da sua visão do mundo, mas no final acaba por ficar tudo na mesma, ou pior. Com isto em mente, não admira que os regimes democráticos estejam em crise, com um afastamento cada vez maior do eleitorado em relação aos seus representantes eleitos. Para esta situação se alterar, precisam-se políticos que sejam, por assim dizer, anjinhos nas intenções, mas diabinhos na acção. Políticos que consigam equilibrar-se na corda bamba, que saibam manter claros os objectivos na sua mente, mas que reconheçam e contornem os obstáculos. Políticos que saibam quem são os seus inimigos e os seus amigos. Políticos que não se deixem vencer pela realidade, nem que se aliem a ela. Políticos que sejam capazes de construir um novo mundo. Sem isso, a Democracia como a conhecemos está condenada. 

R. entregou uma pizza #à anon & mato
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