domingo, 22 de maio de 2016

Vícios privados, públicas virtudes

Costuma-se utilizar a expressão a propósito do carácter ou falta deles de figuras públicas, nomeadamente políticos que enaltecem os seus pontos fortes e fazem por esconder os aspectos mais significativos do seu lado lunar.

Vem isto a propósito de toda esta questão do fim do financiamento a novas turmas das escolas privadas com contrato de associação que se localizem em áreas geográficas em que a exista oferta pública e capacidade instalada para acolher esses novos alunos, de acordo com um despacho recentemente publicado.

Vamos os argumentos: da parte do Governo, o argumento é simples: havendo escolas públicas com capacidade para acolher alunos no próximo ano lectivo, e sendo essas escolas do Estado e portanto, suportadas pelo Orçamento de Estado, não faz sentido estar a financiar essas turmas em escolas privadas com Contrato de Associação, que de acordo com as informações da Secretária da Educação são substancialmente mais caras do que turmas iguais em escolas públicas. Do lado das escolas com Contrato de Associação os argumentos são os de que se põe em causa a liberdade de escolha dos pais na hora de decidir a escola em que querem que os seus filhos estudem; que vai pôr em risco postos de trabalho de professores e funcionários; que é a quebra dos compromissos assumidos com o governo anterior; que impede os pais de escolher o Projeto Educativo que pretendem ver aplicado aos seus filhos.

Há uma série de aspectos que são no mínimo questionáveis nos argumentos apresentados. Senão, vejamos: deve ser incapacidade minha mas, não consigo entender como é que o fim do financiamento público a novas turmas em escolas com contrato de associação é terminar com a liberdade de escolha. Os pais continuam a poder escolher a escola em que querem que os seus filhos estudem. A única diferença é que se pretenderem uma escola privada, provavelmente, terão de pagar. Mas não é assim com tudo? Dar-me-ia muito jeito ter casa própria com três quartos, garagem, jardim e piscina. Como não tenho meios financeiros, nem estabilidade profissional para tal, limito-me a viver num apartamento t2 alugado. Não me passa pela cabeça, alugar a tal casa de sonho e depois ir pedir ao Governo que me pague a renda. Não podem pagar? Existem escolas públicas em que não há mensalidades.

Seguinte: a questão do desemprego é porventura aquela que mais me preocupa, uma vez que põe em causa a estabilidade de famílias e isso é, obviamente, preocupante. Contudo, estou em crer que uma parte significativa dos professores que sejam eventualmente afectados por despedimentos colectivos encontrarão na escola pública lugar para continuarem a trabalhar. Porquê? Porque na escola pública o horário lectivo é de 22 horas enquanto que há escolas com contrato de associação que obrigam os professores a leccionar 30 horas semanais. Conheço vários casos de professores que se encontram actualmente a trabalhar em escolas com contrato de associação que têm um imenso rol de queixas a fazer relativamente às suas escolas/empresas e à forma como estas cumprem (ou não) as suas obrigações com os trabalhadores. Desde atrasos no pagamento, a trabalho extraordinário não pago, horários sobrecarregados, tentativas de condicionamento, abuso de poder, a lista não pára e há vários casos conhecidos e documentados pela comunicação social.

O argumento da quebra dos compromissos assinados com o anterior governo é patético. Tão patético quanto foram os cortes dos subsídios de Natal e de Férias ou os Orçamentos de Estado com pontos inconstitucionais. Os acordos anteriores não foram rasgados. As escolas não foram fechadas. Apenas não terão financiamento público para novas turmas. As já existentes, manter-se-ão até final do respetivo ciclo de ensino. Que sentido faz estar o Estado (e recordo que o Estado somos todos nós!) estar a pagar por algo, que ele próprio tem capacidade de fazer? (Seria muito interessante que este princípio fosse aplicado a outras áreas da sociedade e sectores da função pública portuguesa e negócios do Estado, como as PPP, por exemplo!)

O último argumento apresentado, o do Projecto Educativo é de todos o mais estranho. Não porque os Projectos Educativos sejam pouco importantes mas porque serão muito poucos os pais que escolhem a escola em função do seu Projecto Educativo. Arrisco mesmo dizer que a imensa maioria não sabe sequer o que é o Projecto Educativo, para que serve ou como é construído.
Os pais escolhem a escola dos filhos em função de factores da proximidade de casa ou do seu trabalho, dos horários, das actividades oferecidas, dos transportes escolares que a esmagadora maioria destas escolas oferece.

É que, de repente, quem esteja de fora do mundo da educação pode ser levado a pensar que as escolas com contrato de associação são os pináculos das instituições educativas em Portugal e que as escolas públicas são um antro de perdição, criminalidade e ninho de vícios e maus hábitos.

Não tornem esta questão numa questão de qualidade de ensino, porque não é disso que se trata. Não é uma questão sobre que escolas preparam melhor ou pior. Nem de saber quais têm melhores professores.
Esta é uma questão de gestão racional de recursos financeiros.
Só isso.
E desse ponto de vista, parece-me uma decisão acertada.

E. entregou uma pizza #à 'tou que nem posso; #à forças demoníacas

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