quinta-feira, 7 de abril de 2016

Tarrafal, no coração da luta pela liberdade

Ao mesmo tempo que o Campo de Concentração nazi de Sachsenhausen abria as suas portas nos arredores de Berlim, em Cabo Verde, o regime Salazarista decidia instituir um campo de concentração na ilha de Santiago, o infame Campo de Concentração do Tarrafal. Começou a funcionar em 29 de Outubro de 1936, recebendo os primeiros prisioneiros, oponentes políticos ao regime, camponeses, operários, soldados, marinheiros, estudantes, intelectuais, sindicalistas. Quando o visitei, há poucos dias, não pude deixar de reparar nas semelhanças entre o ‘nosso’ campo e o dos nazis. Um sítio isolado, longe de olhares curiosos, mas localizado nos arredores de uma pequena localidade, os altos muros, o fosso, os barracos, a prisão, as celas de isolamento, os espaços comuns diminutos, a dieta de fome, os locais de trabalho forçado. Tudo era igual, a mensagem era a mesma, ganhando o local o epíteto de ‘Campo da Morte Lenta’. O médico do campo dizia “não estou aqui para curar, mas para passar certidões de óbito”.
No Tarrafal, o regime do Estado Novo mostrou a sua verdadeira natureza. Entre 1936 e 1954, funcionou como ‘colónia penal’ destinada a cidadãos ‘desafectos do regime’. Foram 32 os prisioneiros políticos que perderam a vida no Campo do Tarrafal, sendo o mais conhecido o então Secretário-Geral do PCP, Bento Gonçalves, que perde a vida a 11 de Setembro de 1942. Os restantes sofreram mazelas físicas e psicológicas que os iriam marcar para a vida. No pós-guerra, derrotado o regime fascista nazi, o regime fascista português foi pressionado para que o campo do Tarrafal fosse encerrado. Isso acabou por acontecer em 26 de Janeiro de 1954. Mas com o início das acções anticolonialistas e independentistas em Angola, Guiné-Bissau e Moçambique, o regime decide reabrir o Tarrafal. Foi designado por um novo nome, ‘Campo de Trabalho do Chão Bom’ (o nome da pequena aldeia junto ao campo), mas a filosofia continuou a mesma. A Portaria da então Direcção-Geral da Justiça data de 17 de Junho de 1961 e é assinada pelo Ministro do Ultramar, Adriano José Alves Moreira. O mesmo Adriano Moreira que tinha sido Membro da delegação Portuguesa na ONU (1957-1959) e Subsecretário de Estado da Administração Ultramarina (1960-1961), e o mesmo que organizou, a partir de 1961, o início da oposição armada das tropas portuguesas aos movimentos independentistas, encarados como traição à Pátria, intensificando também as práticas repressivas da PIDE nas colónias.
A repressão e a inumanidade no Campo do Tarrafal / Chão Bom só terminariam uma semana depois de 25 de Abril de 1974. No dia 1 de Maio, os últimos prisioneiros eram finalmente libertados. Mas a revolução portuguesa, e o regime democrático daí decorrente, são únicos nos anais da história. Os principais líderes e responsáveis do regime salazarista são pacificamente deportados para o exílio, ou são incorporados na vida política e social do pós-25 de Abril. Adriano Moreira foi Deputado da Assembleia da República (1979-1991) pelo CDS, Presidente do CDS (1986-1988 e, interinamente, 1991-1992), Vice-presidente da Assembleia da República (1991-1995), e eleito para o Conselho de Estado em 18-12-2015. Para além de numerosas condecorações, o Professor Doutor Adriano Moreira recebeu o doutoramento honoris causa pela Universidade do Mindelo, em São Vicente (Cabo Verde), no dia 10 de Dezembro de 2011, Dia Internacional dos Direitos Humanos. 
O Campo de Concentração do Tarrafal, ou o que dele resta, agora como Museu da Resistência, é uma visita obrigatória para todos os portugueses. Ensina-nos que fomos capazes de atrocidades que só associamos a outros; ensina-nos que a democracia é um regime frágil; ensina-nos que a liberdade não pode ser encarada como garantida e que devemos lutar por ela todos os dias. É memória viva, mais concreta e eficaz que o papel dos manuais de história. Mas mesmo a história, e a memória a ela associada, têm de ser alimentadas e acarinhadas, para não morrerem no esquecimento. Pois, como Jorge Santayana escreveu, “Aqueles que não recordam o passado, estão condenados a repeti-lo”. Recordemos a história, então, para que um Tarrafal nunca mais se repita em solo português, e para que não cometamos o erro de condecorar e eleger para nossos representantes aqueles que construíram e mantiveram o Campo de Concentração de Tarrafal em funcionamento. 

R. entregou uma pizza #à ódios de estimação

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