Ao mesmo tempo que o Campo de Concentração nazi de
Sachsenhausen abria as suas portas nos arredores de Berlim, em Cabo Verde, o
regime Salazarista decidia instituir um campo de concentração na ilha de
Santiago, o infame Campo de Concentração do Tarrafal. Começou a funcionar em 29
de Outubro de 1936, recebendo os primeiros prisioneiros, oponentes políticos ao
regime, camponeses, operários, soldados, marinheiros, estudantes, intelectuais,
sindicalistas. Quando o visitei, há poucos dias, não pude deixar de reparar nas
semelhanças entre o ‘nosso’ campo e o dos nazis. Um sítio isolado, longe de
olhares curiosos, mas localizado nos arredores de uma pequena localidade, os
altos muros, o fosso, os barracos, a prisão, as celas de isolamento, os espaços
comuns diminutos, a dieta de fome, os locais de trabalho forçado. Tudo era
igual, a mensagem era a mesma, ganhando o local o epíteto de ‘Campo da Morte
Lenta’. O médico do campo dizia “não estou aqui para curar, mas para passar
certidões de óbito”.
No Tarrafal, o regime do Estado Novo mostrou a sua
verdadeira natureza. Entre 1936 e 1954, funcionou como ‘colónia penal’
destinada a cidadãos ‘desafectos do regime’. Foram 32 os prisioneiros políticos
que perderam a vida no Campo do Tarrafal, sendo o mais conhecido o então
Secretário-Geral do PCP, Bento Gonçalves, que perde a vida a 11 de Setembro de
1942. Os restantes sofreram mazelas físicas e psicológicas que os iriam marcar
para a vida. No pós-guerra, derrotado o regime fascista nazi, o regime fascista
português foi pressionado para que o campo do Tarrafal fosse encerrado. Isso
acabou por acontecer em 26 de Janeiro de 1954. Mas com o início das acções
anticolonialistas e independentistas em Angola, Guiné-Bissau e Moçambique, o
regime decide reabrir o Tarrafal. Foi designado por um novo nome, ‘Campo de Trabalho
do Chão Bom’ (o nome da pequena aldeia junto ao campo), mas a filosofia
continuou a mesma. A Portaria da então Direcção-Geral da Justiça data de 17 de
Junho de 1961 e é assinada pelo Ministro do Ultramar, Adriano José Alves
Moreira. O mesmo Adriano Moreira que tinha sido Membro da delegação Portuguesa
na ONU (1957-1959) e Subsecretário de Estado da Administração Ultramarina
(1960-1961), e o mesmo que organizou, a partir de 1961, o início da oposição
armada das tropas portuguesas aos movimentos independentistas, encarados como
traição à Pátria, intensificando também as práticas repressivas da PIDE nas
colónias.
A repressão e a inumanidade no Campo do Tarrafal / Chão Bom
só terminariam uma semana depois de 25 de Abril de 1974. No dia 1 de Maio, os
últimos prisioneiros eram finalmente libertados. Mas a revolução portuguesa, e
o regime democrático daí decorrente, são únicos nos anais da história. Os principais
líderes e responsáveis do regime salazarista são pacificamente deportados para
o exílio, ou são incorporados na vida política e social do pós-25 de Abril.
Adriano Moreira foi Deputado da Assembleia da República (1979-1991) pelo CDS,
Presidente do CDS (1986-1988 e, interinamente, 1991-1992), Vice-presidente da
Assembleia da República (1991-1995), e eleito para o Conselho de Estado em
18-12-2015. Para além de numerosas condecorações, o Professor Doutor Adriano
Moreira recebeu o doutoramento honoris causa pela Universidade do Mindelo, em
São Vicente (Cabo Verde), no dia 10 de Dezembro de 2011, Dia Internacional dos
Direitos Humanos.
O Campo de Concentração do Tarrafal, ou o que dele resta,
agora como Museu da Resistência, é uma visita obrigatória para todos os
portugueses. Ensina-nos que fomos capazes de atrocidades que só associamos a
outros; ensina-nos que a democracia é um regime frágil; ensina-nos que a
liberdade não pode ser encarada como garantida e que devemos lutar por ela
todos os dias. É memória viva, mais concreta e eficaz que o papel dos manuais
de história. Mas mesmo a história, e a memória a ela associada, têm de ser
alimentadas e acarinhadas, para não morrerem no esquecimento. Pois, como Jorge
Santayana escreveu, “Aqueles que não recordam o passado, estão condenados a
repeti-lo”. Recordemos a história, então, para que um Tarrafal nunca mais se repita em solo
português, e para que não cometamos o erro de condecorar e eleger para nossos representantes aqueles que construíram e mantiveram o Campo de Concentração de Tarrafal em funcionamento.
R. entregou uma pizza #à ódios de estimação
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