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Sou homem, sou português, e gosto de futebol. Mais de vê-lo
do que praticá-lo, diga-se em abono da verdade. A um dia do início de mais um
Campeonato Europeu de futebol, como tantos portugueses, desejo ver alguns bons
jogos e, quem sabe, vibrar com um brilharete da Selecção Nacional. Acho isto
perfeitamente aceitável e normal. Mas encaro como algo completamente diferente
a dimensão que o futebol tem na vida das pessoas, quer a nível pessoal, quer a
nível institucional. Que as instituições políticas e sociais, assim como a
comunicação social, explorem o filão do futebol até ao tutano é certamente
compreensível, embora raiando o insuportável, pois estas só procuram agradar às
pessoas, dizendo e mostrando aquilo que a maioria quer ver. Sendo assim, tudo
se resume ao nível pessoal.
Compreendo perfeitamente quem tem uma paixão pelo futebol.
Não vou pelo discurso “são só onze gajos de cada lado atrás de uma bola a
tentar metê-la numa baliza” pois as descrições literais revelam quase sempre
muito pouco daquilo que nos atrai nas coisas. Por exemplo, uma outra paixão
masculina deveras conhecida poderia ser descrita como “a parte do corpo
feminino, constituída essencialmente por tecido adiposo, responsável pela
produção de leite após o parto”. É esquisito, mas é a realidade; nós gostamos de
coisas banais.
Mas uma coisa é ter o futebol como paixão. Outra, é o
futebol ser a única paixão de uma pessoa. Ser o único aspecto da vida que faz a
pessoa rir, chorar, exaltar-se, enfim, sentir-se viva. Olhemos para o comum dos
portugueses. Esqueçam a família, nem nos lembrem a política, muito menos a
literatura, as artes, a ciência, e o conhecimento em geral. A única coisa que
faz vibrar realmente um português é o futebol. Esse comportamento básico e
acéfalo é totalmente inaceitável.
Nos meus tempos de adolescente, passei por uma fase em que
era um adepto ferrenho, quase fanático, do clube mais representativo da minha
cidade natal. Quando esse clube perdia, principalmente quando assistia ao vivo
ao desaire, parecia que o meu mundo acabava, e aquilo afectava-me
profundamente. Por outro lado, sentia uma alegria imensa ao ir assistir a um
jogo, e comungar do sentimento de pertença a uma comunidade, partilhar das
alegrias com os outros, gritar ‘golo’ ao mesmo tempo que cem mil outras
pessoas. Hoje já não o sinto da mesma forma determinante para a minha
felicidade. Porquê? Pela mesma razão de que já não como terra do chão, não faço
xixi na cama e não choro quando tenho sono; simplesmente cresci.
Os valores que me guiam, os anseios e receios que me
impulsionam, os princípios que balizam a minha vida passaram a ser outros.
Transcendi aquilo que se passa dentro de quatro linhas de um qualquer relvado,
num qualquer estádio, num qualquer fim-de-semana. E é isto que uma pessoa
adulta deveria fazer. Sublinho, adulta. Por isso, para quem se chateia com os
seus amigos por causa de futebol, quem bate na mulher por causa das derrotas do
seu clube, quem espera pela chegada da equipa às tantas da madrugada ao
aeroporto, quem chora um penálti falhado, quem comete qualquer tipo de
violência num estádio de futebol, quem insulta indiscriminadamente os adeptos
do clube adversário, quem faz discursos inflamados sobre o que é ser do seu
clube desde pequenino, só tenho uma palavra: cresçam! E, quando um dia
conseguirmos ser todos adultos, talvez o mundo se transforme num lugar melhor.
Com lugar para o futebol, mas com espaço para muito mais do que isso.
R. entregou uma pizza #à coçador
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